terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Por Oswaldo Montenegro

ela era virgem
e o vento alisava seus pêlos
pra ela suspirar
e era um namoro selvagem
de sexo de ventania
e quando o vento não vinha
ela mesmo corria
pra ventar

ela era virgem
e o mar só lambia suas coxas
pra ela se molhar
e ela era só maresia
em dia de tempestade
ela deixava a cidade e
abria suas pernas para o mar

e roçava os cães com a pele cálida
pássaros com a mão
cobras no ar

e amava tigres e leões
gatos nos porões
e à noite dormia
encharcada

domingo, 2 de dezembro de 2007

Quase um segundo

A metáfora almodovariana de ¡Átame! é um verdadeiro manual a ser seguido quando se tem a intenção de fazer com que alguém se apaixone por você. Luisa tem seguido fielmente as instruções. Mostrou-se a pessoa mais interessante - do mundo - segundo ela mesma. Ser interessante é opção, e ela optou por sê-lo, somente. Sua sensibilidade é assim, incomum. Até lançou demonstrações de afeto bastante originais dessa vez. Digo dessa vez, porque já tentara outras mais, sem êxito. Agora parece estar “no exit” – pra não perder a chance do trocadilho barato. Pois é ela quem está atada. Sempre fica, mas pensa fazer bom uso das técnicas do espanhol. Logo, não entende por que nunca funciona. Como pode alguém cujo ela idealizou tanto, durante o tempo todo que dedicou a isso, se personificar e não querer, entender, que deve ficar junto dela? Cúmulo. São perfeitos, como se diz, um para outro, outro para um. Almas afins.


1. Estar atado, e certo de que é válido o empenho.

2. Fazer-se interessante. Acreditar-se interessante.
Saber-se interessante.

3. Atar ao pé da cama.

4. Soltar as amarras.

5. E então, “ata-me”

sábado, 1 de dezembro de 2007

A timidez esconde os talentos

Há tempos não escrevo nada. Nada bom. Estava chapada mais do que queria. Mas na verdade não era isso o que ela queria, estar chapada mais do que queria? Ouvia a música e algumas vozes que não ouvia, mas havia. Só a música. Era só a música agora. “Uma trilha sonora para o que você está escrevendo”, ele disse. Quando ela parou de escrever, ele parou de tocar. Mas isso quer dizer tanta coisa. As entrelinhas estão expostas, é uma questão de percepção. Vem correndo e traga pra mim (do verbo tragar, não trazer). Pensei qualquer coisa sobre os vidros, ela fechou os vidros. Sintonia. Não quero esquecer. Porque a beleza de não esquecer é o momento em que se acredita nisso. Difícil escrever agora, né? É. Mas eu preciso.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Veraneio

Não se preocupe em pedir desculpas, por que você não entra e fuma todos os meus cigarros – de novo. Toda vez que eu tento não tentar... e quanto tempo faz mesmo? Entra, limpe os pés nos meus sonhos.
Você toma meu tempo como se eu fosse uma revista barata. Quando eu podia estar aprendendo alguma coisa. Bom, você sabe o que quero dizer. Já passei por isso antes, e vou mais uma vez. Você só vem pra me matar, assim, destilando sorrisos amistosos, calculados. Eu os aceito. Não acredito que ainda os permito. Quão estúpida uma pessoa pode ser? Estúpida tanto quanto errada.
Você é aquele último drink que eu jamais deveria ter tomado. É o corpo escondido no baú. O hábito que eu não consigo abandonar. Você é meu segredo estampado na primeira página toda semana. O carro que eu não deveria ter comprado. O trem que eu não deveria ter pego. A música involuntária na cabeça. O corte que faz com que eu esconda meu rosto. A festa que faz com que eu sinta minha idade.
Como um acidente que eu posso prever mas que não posso evitar. Como um avião do qual me alertaram não embarcar. Como um filme ruim, que preciso ver até o final. Como uma traição perdoada antes mesmo de acontecer. Como se eu tivesse que pagar pelo que fiz com alguém. Como se poço tivesse escada. Como uma maçã, sendo pecado insistir.
Ser passional é ser criminoso. Eu cheiro à uma amiga? Então vou dizer, sorte a sua, sermos amigos. Minha sorte, qual é? Você terá de se contentar com menos. Isso, menos que eu.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Entre tantos

De todos
Ditosos
amores e amantes
o mais possível e improvável
que me chama e me ama
mais

Sem regras nem pedras
no caminho
canto tonto de encanto
espera mais cedo
para que eu possa partir
e voltar

Ele é lindo
Ele chora
Gosta de gatos
e de auto-retratos
do cheiro de nitrato
na foto e no filme

Umidamente, de
repente
me revela e
me encerra
num porta-retrato seu

Segundas
intenções
às terças e quartas
no quarto
no domingo
dormindo

É quem veio
me trazer (e
me levar?)
a vida que me cabe
e espero há tanto
poder

Nesse cromo positivo
do negativismo
de todo meu ser

Se uma parte de mim
me falta
a outra
parte de mim
e não me falha

domingo, 28 de outubro de 2007

Produto de um Jogo Surrealista de Entretenimento

Era uma tarde fria no inferno, eu não tinha nada além da minha cartola e um encarte de vinil do Dark Side of the Moon, que coloquei sob uma lareira e tudo então foi ficando quente, e virando céu. Lembrei-me de um céu que já não existe mais, o de nuvens pálidas que hoje estão cinzas da fumaça que sai a cada piscar de olhos do meu cachorro. Foi então que, sem céu nem inferno pra habitar, caí, caí, caí... até mergulhar numa coisa líquida, viscosa e antiga.
Para esquecer o que realmente eu não tinha, fui me misturando a esse licor que descia pelo ralo da pia e do sangue umbilical me desvinculei, posto que era dia. Comi uma maçã que tinha mais gosto de pena que de carne, peguei meu guarda-chuva para atirar folhas secas no banco de arquitetura mal feita, tão bela quanto minha mão quando fica roxa.
Reuni todas as minhas forças e toda minha coragem, e gritei a única palavra que nunca tinha ousado dizer durante todo esse tempo: colher! E há tempos não grito flores, do mesmo modo que não entrego flores ao tempo. Que se crie um laço entre o tempo e a flor, e continuarei gritando.
Devo pular ou me empurrem então, tão direto do chão ao salgueiro. Dançarei minúcias e reminiscências naquele sombrio solar de escadas rolantes, pérolas fruta-cor comestíveis. Um coração parasita a me guiar pelo algodão denso de chumbo e serragem, no país das dores da paz.


(Por Bruno Ferreto, Daniel Faiad e Lidiane Ester)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Fotografianismos

Enquanto beijava suas maçãs encharcadas
Ela desejava sua língua rosa, nua e crua
Rastejando o seu corpo inteiro
Como se fosse a lei de sua boca
A mais justa de todas as coisas
Perpetuando... ando

Condena pois o que digo
E não sigo

Não minto
E que finjo

Que grito

Grito sujo
E grito seco sem voz

sábado, 18 de agosto de 2007


segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Vergonha dos Pés

"Seu rosto continua explícito como antes, mas de alguma forma ela parece ter rompido com a juventude e avançado num caminho que a levará ao amadurecimento. Não à velhice, mas sim a um estágio onde algumas mulheres permanecem divinas, um pouco cansadas e um tanto quanto confusas. Quando estão entre vinte e trinta anos, depois de terem vivido e dito tantas verdades, já não sabem direito de mais nada. E ficam misteriosas para si mesmas, porque o enigmático não é mais charme e, sim, constância. [...]"

( Fernanda Young )

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Tal qual um Juca Mulato...

[...] “Sofre, Juca Mulato, é tua sina, sofre...
Fechar ao mal do amor nossa alma adormecida
é dormir sem sonhar, é viver sem ter vida...
Ter, a um sonho de amor, o coração sujeito
é o mesmo que cravar uma faca no peito.
Esta vida é um punhal com dois gumes fatais:
não amar é sofrer; amar é sofrer mais”! [...]

(trecho do poema Juca Mulato, de Menotti Del Picchia)

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Disk Pare de Fumar

Eis aqui o cigarro que você fuma todos os dias, logo quando acorda ou quando anda pela rua com a outra mão no bolso; enquanto escreve ou lê um livro; quando os sintomas do stress te alcançam depois de um dia ruim, ou quando muito abalada emocionalmente, e até quando ri num barzinho com os amigos. Se sozinha, eu te sirvo muito bem de companhia, no silêncio que fala, no silêncio que grita, como se fosse sua última saída, sua única opção, quando não resta nada melhor a fazer. Será? Não acredito que prefira mesmo café com leite a café com cigarro. É, eu sou um vício que você não consegue largar, um mau-hábito que te faz mal pra saúde e coração. Te deixo tonta e sem fôlego. Fica mais difícil a cada tragada, não é mesmo? Ainda mais em se tratando de um careta classe A, de sabor peculiar. Se acha muito ousada e esperta ao fumar escondida, mas só depois de jogar fora a bituca, aliviada, e pisar em cima pra apagar, com gosto. Tolinha! À essa altura o meu filtro já absorveu tudo: sua boca, sua saliva, sua pose e a maneira como me segurava entre os dedos. Vai por mim, de que nada adianta mascar um, dois, três chicletes e se embanhar de creme, sendo que meu gosto e meu cheiro não vão sair de você assim tão fácil.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Como se deve ler um livro?

"Primeiramente eu gostaria de enfatizar a interrogação ao final do meu título. Ainda se pudesse responder a pergunta para mim mesma, a resposta se aplicaria somente a mim, e não a você. O único conselho, de fato, que uma pessoa pode dar à outra sobre leitura é o de seguir conselho nenhum, seguir seus instintos próprios, chegar às suas conclusões próprias. Se isso for de comum acordo, então eu me sinto à vontade para expor umas poucas idéias e sugestões, porque assim você não permitirá que elas restrinjam essa independência, que é a qualidade mais importante que um leitor pode possuir.

(...)
Eu às vezez sonho que, quando o Dia do Juízo Final surgir e os grandes conquistadores e advogados e homens de Estado vierem receber suas recompensas - suas coroas, suas láureas, seus nomes cravados indelevelmente no mármore imperecível - o Todo Poderoso se voltará para Pedro e dirá, não sem uma certa inveja quando nos vir com nossos livros embaixo do braço: 'Olhe, estes não precisam recompensa. Não temos nada a lhes dar aqui. Eles amaram ler.' "

(The Common Reader, Virginia Woolf)