domingo, 3 de agosto de 2008

Nostalgia


Já é março
E dentro de mim faz frio,
Como no inverno passado.

Parece que há um bloqueio
que não me deixa livrar dessa época.
Gélida! Onde tudo era cinza.

O campo da cidade, para mim,
não é mais belo, que quando
eu passava por lá com ela.

A grama que antes me fazia lembrar
dos seus olhos verdes,
hoje fazem cair lágrimas dos meus.

O dono do açougue ao lado,
nem tem mais a mesma
simpatia de antes.

E a minha imagem no espelho
É envelhecida,
É enfraquecida.

Não sei até onde eu vou assim.
Nunca pensei na hipótese “sem você”.
Me preocupo...

O tempo não passa. Cazuza estava errado
Pára! Pára sim!
E eu, vivo, ainda na nossa semana.

No entanto, cá estou.
Neva dentro de mim
E neste conflito, em meio a uma névoa esbranquiçada,
Não há paz.

Tudo branco...
Como a “farinha”,
que levou-a de mim.


[ por Lilian Flávia ]

terça-feira, 8 de julho de 2008

Com o coração amarelo que ganhei de presente,

De vez em quando sou feliz!,
opinei diante de um sábio
que me examinou sem paixão
e demonstrou que eu estava errado.
Talvez não havia salvação
para meus dentes avariados,
um por um se extraviaram
os fios de minha cabeleira,
melhor era não discutir
sobre minha traquéia cavernosa,
enquanto o sulcado coração
estava cheio de advertências
como o fígado tenebroso
que não me servia de escudo
ou este rim conspirativo.
E com minha próstata melancólica
e os caprichos de minha uretra
me conduziam sem apuro
a um analítico final.
Olhando cara a cara o sábio
sem decidir-me a sucumbir
mostrei-lhe que podia ver,
palpar, ouvir e padecer
em outra ocasião favorável.
E que me deixasse o prazer
de ser amado e querer:
procuraria algum amor
por um mês ou por uma semana
ou por um penúltimo dia.
O homem sábio e desdenhoso
olhou-me com a indiferença
dos camelos pela lua
e decidiu orgulhosamente
olvidar-se de meu organismo.
Desde então não estou seguro
se eu devo obedecer
a seu decreto de que eu morra
ou se devo sentir-me bem
como meu corpo me aconselha.
E nesta dúvida não sei
se dedicar-me a meditar
ou alimentar-me de cravos.

[ Sin embargo me muevo, de Pablo Neruda ]

sexta-feira, 4 de julho de 2008

... pelo olhar de Daniel Faiad

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Releitura: A Moreninha

Para o acaso,

“pode ser também num posto de gasolina
loja de conveniência, muito justo esse nome
pra quem quer salvar as aparências...”

Para o descaso,

“você não se esqueceu de mim
eu que sai
sai da sua mente, deliberadamente...”

Para o que passou e passou,

“você tinha tudo pra ser minha fonte de inspiração
e virou a canção das escolhas erradas...”

Para o que passou e ficou,

“lembra aqueles dias em que só chovia
a tempestade que nos envolvia
sinto falta desses dias
em que só queria calmaria...”

Para o que ficou e passou,

“tu que já foste a primeira
síntese de uma espécie inteira
que fazes agora nessa banheira...”

Para o que ficou e ficou,

“todo dia imagino um dia incerto
pra você fazer o que é certo
me abraçar apertado e ficar tudo acertado
e ficar tudo mais perto...”

Para o que virá,

“adeus coisas que nunca tive
dividas externas, vaidades terrenas
lupas de detetive, adeus
coisas ao leo...”

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Almofadas, cigarros e alguns quilos de sal

Há três anos estavam juntos. Dois deles morando juntos. No começo de tudo, o processo cativo, a identificação. Os sintomas. O pedido, sem prolongas. Os beijos, o sexo. As músicas, os filmes, os bares. Os amigos, as viagens, caminhadas a dois, os braços dados, as conversas. Não gostavam de tudo na mesma proporção, não gostavam das mesmas coisas, sempre. Gostavam de muitas coisas que o outro gostava, e de muitas outras só porque o outro gostava. Vieram as brigas e os defeitos, e o amor cresceu. Um tempo depois vieram mais brigas, mais defeitos, o ciúme, as contas, obrigação e intimidade, os mimos, as manhas e as diferenças da criação familiar; a liberdade, o mau humor pela manhã. Era o ápice do sentimento, o grau mais elevado do amor, onde se sabiam por completo. Eles já não tinham reservas, não tinham mais defesas. Então veio a posse, o cansaço, a invasão, as brigas e os defeitos se tornaram maiores que o amor maior, que apesar de tudo, ainda existia, insuficiente. Conversaram uma noite toda, sem choro, sob uma luz fraca, fumando e bebendo, sabe-se lá o que. Assim que terminaram, ele foi embora, caminhava com as mãos no bolso, pensando longe. Ela deixou-se cair encostada ao balcão da cozinha, e abraçando os joelhos, veio o dilúvio.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Baudelaireando


É preciso estar sempre embriagado.

Eis aí tudo: é a única questão.

Para não sentirdes o horrível fardo

do Tempo que rompe os vossos ombros

e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.

Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude,

à vossa maneira. Mas embriagai-vos.

E se, alguma vez, nos degraus de um palácio,

sobre a grama verde de um precipício,

na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes,

a embriaguez já diminuída ou desaparecida,

perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro,

ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme,

a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala,

perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela,

o pássaro, o relógio, responder-vos-ão:

'É hora de embriagar-vos! Para não serdes

os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos:

embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude,

à vossa maneira'

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Hora Certa informa

“Falta meia hora, vai dar.” Bateu o portão, guardou as chaves e conferiu o relógio. Saiu de casa preocupada, decidida a se decidir. Saiu fumante, sedentária. Apertava os passos mais que podia. Passou antes em algumas padarias e lanchonetes, verificou as estufas: nada que já não tivesse tido olhos um dia. Na gráfica, imprimiu o trabalho da faculdade. No Rei do Pão de Queijo, comprou dois, simples, sem recheio. “Vou levar”, colocou o trabalho no meio do livro, e na outra mão os pães de queijo, frios e murchos. Nem poderia recuperá-los – presunto-muçarela-microondas-humm, mais tarde, em casa.

Distraída que estava, quase foi pega por um carro na mão inglesa; nenhum Jude Law vindo em sua direção. Já no ponto de ônibus, enquanto fazia suas coisas habituais anti-tédio em ponto de ônibus – fumar, ter digressões sociológicas sobre os passantes, roer as unhas, cantar, comer – uma figura, daquelas que toda cidade tem, principalmente as pequenas, apresentou-se, estendeu a mão, logo sentou-se e pediu bem de perto, num tom choroso regado à pinga, que fizesse uma matéria sobre ele. Na folha em que esboçava versos torpes, soltos, conforme ele ditava, escreveu:

“Meu nome é Valdir Pereira, gosto de cantar muito. Queria ser um cantor muito lindo, pra muita gente, pra me ensinar ser alguém. Meu sonho é ver a Elis Regina. Parece que ela canta pra mim. Misericórdia, ela canta pra mim...” e se pôs a chorar.

Um pão de queijo pela metade e o outro intocado, juntos no saco de papel na sacola dentro da mochila, desgostosamente ali. Nem o bêbado quis, preferiu um cigarro. O ônibus apontou e ele pediu-lhe um abraço. Foi um abraço, um aperto de mão, três beijos no rosto, mais um abraço, e um respiro profundo assim que entregou o dinheiro ao cobrador. Sentou-se num banco de dois lugares vazios e foi lendo, lendo e pensando. Lendo e pensando, pensando. E pensando. Parou de ler.

Três fatores em sua vida não andavam bem, interferiam sem licença nos demais. A caminho da locação pra filmagem, distraída que estava, perguntou “que horas tem?”, (que tal todo o tempo do mundo, ahn?) E lá, com a câmera na mão, sentiu “é isso o que eu quero pra mim”. Voltou pra casa fumante e sedentária. As coisas mutáveis possíveis, sim, iriam mudar. Determinou isso. E tudo quanto determinava, acontecia.

domingo, 1 de junho de 2008

Do Livro dos Prazeres

"Lóri sentia às vezes uma saudade tão grande que era como uma fome, só passaria quando ela comesse a presença de Ulisses. Mas às vezes a saudade era tão profunda que a presença, calculava ela, seria pouco; ela queria absorver Ulisses todo. Essa vontade de ela ser Ulisses e de Ulisses ser ela para uma unificação inteira, era um dos sentimentos mais urgentes que tivera na vida. Ela se controlava, não telefonava, feliz em poder sentir."

segunda-feira, 26 de maio de 2008

tu.

nunca tão leve embora breve
nunca tão perto
nunca tão certo
e digo, nunca foi tão bom assim


não quero saber de outros corpos
outros pedaços
outras conversas
outras respirações

da tua música, só
de todo dia essa sintonia
a telepatia
a embriaguez

espaço... tempo...
não perecem
não impedem
de sentir, de dizer
de concordar com o tarot

não evitar o medo
o gosto
nosso silêncio
e nos poupar do fim

meu amor


domingo, 18 de maio de 2008

... pelo olhar de Tayla Bavier

terça-feira, 15 de abril de 2008

Identifique-se, pois, é música!

"Se ela te fala assim, com tantos rodeios, é pra te seduzir e te ver buscando o sentido daquilo que você ouviria displicentemente. Se ela te fosse direta, você a rejeitaria."

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Lenda


Existe uma lenda sobre uma mulher que nunca viu a luz do sol. E quando ela finalmente, quando finalmente ela pode ver, sentiu-se morta. Quando a encontraram, tudo o que havia era água, ou apenas o sangue sem o seu vermelho. Havia também uma carta, cheia de súplicas ao amor de seu amante.


[takenbytrees]

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Ela sabia das coisas...

Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos. Eu caminho, desequilibrada, em cima de uma linha tênue entre a lucidez e a loucura. De ter amigos eu gosto porque preciso de ajuda pra sentir, embora quem se relacione comigo saiba que é por conta-própria e auto-risco. O que tenho de mais obscuro, é o que me ilumina. E a minha lucidez é que é perigosa. [Clarice Lispector]