sexta-feira, 6 de junho de 2008

Hora Certa informa

“Falta meia hora, vai dar.” Bateu o portão, guardou as chaves e conferiu o relógio. Saiu de casa preocupada, decidida a se decidir. Saiu fumante, sedentária. Apertava os passos mais que podia. Passou antes em algumas padarias e lanchonetes, verificou as estufas: nada que já não tivesse tido olhos um dia. Na gráfica, imprimiu o trabalho da faculdade. No Rei do Pão de Queijo, comprou dois, simples, sem recheio. “Vou levar”, colocou o trabalho no meio do livro, e na outra mão os pães de queijo, frios e murchos. Nem poderia recuperá-los – presunto-muçarela-microondas-humm, mais tarde, em casa.

Distraída que estava, quase foi pega por um carro na mão inglesa; nenhum Jude Law vindo em sua direção. Já no ponto de ônibus, enquanto fazia suas coisas habituais anti-tédio em ponto de ônibus – fumar, ter digressões sociológicas sobre os passantes, roer as unhas, cantar, comer – uma figura, daquelas que toda cidade tem, principalmente as pequenas, apresentou-se, estendeu a mão, logo sentou-se e pediu bem de perto, num tom choroso regado à pinga, que fizesse uma matéria sobre ele. Na folha em que esboçava versos torpes, soltos, conforme ele ditava, escreveu:

“Meu nome é Valdir Pereira, gosto de cantar muito. Queria ser um cantor muito lindo, pra muita gente, pra me ensinar ser alguém. Meu sonho é ver a Elis Regina. Parece que ela canta pra mim. Misericórdia, ela canta pra mim...” e se pôs a chorar.

Um pão de queijo pela metade e o outro intocado, juntos no saco de papel na sacola dentro da mochila, desgostosamente ali. Nem o bêbado quis, preferiu um cigarro. O ônibus apontou e ele pediu-lhe um abraço. Foi um abraço, um aperto de mão, três beijos no rosto, mais um abraço, e um respiro profundo assim que entregou o dinheiro ao cobrador. Sentou-se num banco de dois lugares vazios e foi lendo, lendo e pensando. Lendo e pensando, pensando. E pensando. Parou de ler.

Três fatores em sua vida não andavam bem, interferiam sem licença nos demais. A caminho da locação pra filmagem, distraída que estava, perguntou “que horas tem?”, (que tal todo o tempo do mundo, ahn?) E lá, com a câmera na mão, sentiu “é isso o que eu quero pra mim”. Voltou pra casa fumante e sedentária. As coisas mutáveis possíveis, sim, iriam mudar. Determinou isso. E tudo quanto determinava, acontecia.